terça-feira, 6 de julho de 2010

A casa da minha avó

Falar da casa da minha avó é uma tarefa difícil, primeiro porque saí de São Luís (cidade em que minha avó morava) muito pequena, e segundo porque minha avó não era uma pessoa muito carinhosa, pelo menos comigo não, eu gostava mesmo era do meu avó.
Sempre ia a casa deles nas férias, eu tinha oitos anos quando fui pela última vez, não lembro muita coisa da casa, mas lembro da cidade, era maravilhosa, tinha praia, coisa que não se tem em Brasília que era onde eu morava, gostava de ver as pessoas na rua até tarde como se fosse dia, também tinha o guaraná Jesus, achava o máximo, “Jesus” era verde.
O que eu gostava mesmo era um sítio que meu avô tinha em uma cidadezinha próxima de São Luís, então não podíamos deixar de ir lá, tinha um trem, desses de viagem, eu adorava, isso também não tinha e nem tem em Brasília, o nome da cidade é Coroatá.
Falar da minha avó é falar de São Luís, disso eu lembro, ela se orgulhava de ser Maranhense, dizia que era o lugar onde as pessoas falavam o português correto, acho que isso ficou martelando na minha cabeça, tanto que fui fazer letras, ah se ela tivesse tido uma aula de linguística, se bem que ela não mudaria de opinião jamais.
Eu gostava de ouvir as lendas que cercava à cidade, tem uma praia que tem a estátua de uma sereia, eu morria de medo da estátua, também tem outra praia que tem um castelo, São Luís possui uma arquitetura antiga e histórica; e a dança, essa eu acho que foi minha maior herança, ver o bumba-meu-boi é uma das maravilhas da cidade, também se dança muito raggue, parece a Jamaica.
Acho que falei mais da cidade do que da casa da minha avó, mas São Luís era sua casa; quando ela teve aneurisma levaram-na para Brasília, ela detestou, ficou em Brasília até morrer; sempre falava que queria morrer na sua terra, mas ela não voltou para sua terra, foi enterrada em Brasília, até hoje está fora de sua casa. Anos depois meu avô também foi para Brasília doente, morreu longe de sua terra, também foi enterrado em um lugar pra ele desconhecido. Mais uma vez um nordestino migrou.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Fragmento

"Morrer deve ser tão leve"


Olho em volta e vejo várias cadeiras, essas cadeiras estão repletas de olhares que giram em torno de uma grande tela, essa tela foi feita com esforços de muitos que doaram seu tempo, seu trabalho.

O filme não poderia ser melhor, “Fim da Linha”, fala da relação do ser humano com o dinheiro.

A palavra humana me vem muitas vezes à mente nesse momento, deve ser porque o que está acontecendo é a relação do humano com o humano, o encontro com o verdadeiro.
Deixamos nossas máscaras cair, nos despimos das aparências, ficamos de frente com a verdade, que às vezes dói, que às vezes machuca por descaso, mas hoje não, hoje ela é transformada e transformadora.

E é com pipoca, refrigerante e depoimentos que se encerra mais uma mostra de cinema do Núcleo de Comunicação Marginal.

Por: Nádia Costa
Foto: Leonardo Duarte

quinta-feira, 1 de abril de 2010



"O que eu sinto eu não ajo.

O que ajo não penso.

O que penso não sinto.

Do que sei sou ignorante.

Do que sinto não ignoro.

Não me entendo

E ajo como se

Me entendesse"

CLarice Lispector

domingo, 28 de março de 2010

"Escrever é uma maldição, mas uma maldição que salva. Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive. Escrever é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. É também abençoar uma vida".

Carice Lipector

quarta-feira, 10 de março de 2010

Sessão Fala Viela, um muito obrigada




Retorno ao alojamento José Fornari, diferentemente da útima vez, hoje não chove, a noite tem lua e estrelas, o que faz os moradores saírem de suas casas e virem à sessão.

O filme é "Besouro", fala da cultura, do sofrimento e da luta dos negros no Brasil. Dois séculos depois da abolição da escravidão, pergunto se um dia conseguiremos realmente a igualdade entre os seres humanos; é verdade que avançamos, mas ainda temos muito a combater e conquistar; não só o negro, também a mulher, o homosexual e os de baixa renda são vítimas do preconceito.

Hoje não é apenas um registro que faço, é também um agradecimento, torno-me integrante do "Núcleo de Comunicação Marginal", acho que tenho mais a aprender do que contribuir, agradeço o convite, a aceitação e a confiança depositada em mim.

A admiração e o respeito que tenho pelo trabalho desse núcleo é porque acredito que grandes transformações começam com pequenas atitudes.







Por: Nádia Costa
Fotos: Leonardo Duarte

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Paranapiacaba

O dia amanhece com raios de sol, depois de vários dias de chuva, sinto vontade de ir pra rua, sinto vontade de esvaziar-me do caos, quero contato com o solo, com a terra, então vou a esse encontro com a natureza.
Saio da cidade e parto rumo a Paranapiacaba, vou sozinha em busca de mim mesmo, em busca do que não conheço de mim, do que não conheço do outro, do que não conheço dessa Vila que parece que parou no tempo, um tempo onde as pessoas ainda colocam as cadeiras nas varandas, os vizinhos ainda se conhecem, onde não se tem medo de ser gentil.
De repente a chuva chega, continuo andando, a chuva aumenta, ela minha companheira dos últimos dias, mas agora não estou aflita, não tenho que correr pro trabalho nem pra chegar em casa, sinto a chuva como algo que me limpa do mundo, do caos dos últimos dias.
A palavra solidão me cai bem, me faz leve, sem o peso das cobranças.
Ficaria muito tempo nesse lugar, por algumas horas perco a noção de tempo, me preocupo apenas com o espaço que ocupo ou que não ocupo, possibilidades de idas e vindas.
De repente me vejo nua diante do mundo, sou frágil; não quero fugir de mim, então me olho, me encaro, respiro e prossigo.

Nádia

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Sessão Fala Viela


Em um domingo de chuva chego a um lugar que nunca fui, embora tenha passado inúmeras vezes em frente, isso me faz perceber que não olho o mundo a minha volta, que não observo a cidade que moro, que não enxergo o outro.
Nesse lugar que não é bonito, pelo contrário é feio, mas é um feio de descaso público, de falta de respeito à cidadania com as pessoas que moram ali.
É no alojamento José Fornari que algo acontece de bonito, é a exibição de filme ao ar livre (“3ª mostra de cinema"), exibição essa que acontece quinzenalmente pelo esforço de um grupo de pessoas que resolveram não se acomodar, que resolveram se indignar com as injustiças sociais, e essa indignação vem na forma de arte.
Convidada pelo Núcleo de Comunicação Marginal vou à Sessão Fala Viela pela primeira vez.
A chuva aumenta e o público pega seus guarda-chuvas e continua assistindo, o filme de hoje é “O contador de histórias”, bela escolha, um filme brasileiro, humano e belo, real e emocionante.
Saio transformada porque apesar da chuva o público permanece, saio indignada porque muitos ali nunca tiveram a oportunidade de irem ao cinema, mas saio principalmente com a sensação de que é preciso sair do discurso, de que é necessário arregaçar as mangas pra que o mundo funcione como deveria, para que todos tenham as mesmas chances devemos sair da zona de conforto, do estado de inércia.
São iniciativas como essa que me faz acreditar que ainda vale a pena ser humano.

Nádia Costa
Foto: Christian Piana

terça-feira, 19 de janeiro de 2010


"Sou como você me vê.
Posso ser leve como uma brisa,
ou forte como uma ventania,
depende de quando, e como você me vê passar"

"Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros."

"Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo."

(Clarice Lispector)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Nada mudou em essência


A vida muda a todo instante mas algumas situações permanecem, o ano se inicia com antigas tradições, mesa posta, sonhos renovados, repetimos antigos rituais, me pergunto o porque, se nada mudou em essência, os salários mal dão para os gastos, as pessoas continuam morrendo em
estúpidos acidentes de trânsito.
A comida me chama a atenção, é como o ano que se incia, pronto para ser devorado e esquecido.
Porque se come tanto nesse dia?
Penso nos que não têm nada para comer hoje, talvez não terão nada o resto do ano.
Penso nos que não terão o amanhã.
Nada mudou em essência, esperaremos o próximo ano, comeremos, beberemos, sonharemos, morremos e acreditaremos que no próximo ano tudo vai ser diferente.

Nádia